quinta-feira, 17 de julho de 2014

PROPOSTA PREMIO CELSO FURTADO (FLASH) - A MULHER CONQUISTENSE NUM RELATO DE EXPERIÊNCIA

A importância da mulher na produção da Região de Vitória da Conquista vem sendo há muito observada, justificando a investida sob variados aspectos, não só como objeto de investigação e propagação prioritária mas como instrumento de contestação de teorias predominantes sobre o desenvolvimento e, acima de tudo, como experiências que trazem em si grande potencial para geração de emprego e renda. A ênfase em histórias de vida da mulher conquistense, em especial as que viveram o século XX, põe em cheque a caracterização de várias regiões brasileiras como atrasadas, inferiores, como prevê a concepção de desenvolvimento disseminada entre nós, típica do pensamento ocidental.
A mulher a que se refere, genericamente, são mulheres que tiveram grande quantidade de filhos e que pela ausência de seus maridos (morte ou migração) assumiram o comando da família, sendo verdadeiras economistas, apesar de semianalfabetas. Com parcos recursos conseguiram encaminhar todos os filhos, garantindo uma dieta mais ou menos qualificada. Com astúcia e determinação, atribuíram papéis aos filhos mais velhos, conseguindo preparar para a vida toda uma legião de homens e mulheres. Foram duras quando necessário sem titubear em suas empreitadas disseminando um estilo de vida (ainda que por obrigação) inquestionavelmente sustentável. O que hoje é propagado como ideal na utilização dos recursos, por exemplo, elas já punham em prática há muito. O consumo é (ou foi) limitado, recorrendo a certos bens e serviços apenas quando extremamente necessários. O ato de economizar e reutilizar água, de reaproveitar a gordura e a nata do leite para fabricação de sabão e manteiga, só para se ter uma ideia, são ações que fizeram parte de seus cotidianos.
As restrições materiais que enfrentaram não foram empecilho para o engenho de alimentos deliciosos e saudáveis com os ingredientes disponíveis. Nesse contexto encontram-se doces dos mais variados como os feitos com frutas em calda ou cristalizadas tipo mamão verde costurado em calda ou jenipapo cristalizado pela exposição ao sol. Sem falar nos biscoitos, bolos e outras guloseimas impossíveis de serem esquecidas e dotadas de aceitação inquestionável, por isso mesmo, capazes de gerar renda para milhares de pessoas.
As experiências exitosas não se restringem à culinária que por si só permite abordar a cultura regional mas a ações essencialmente “femininas” como higienização e arrumação de espaços, a elaboração artesanal de roupas e outros instrumentos e, ainda o cultivo e utilização de plantas ornamentais, comestíveis e terapêuticas como a infusão da planta nativa chamada “tira noda” no álcool que alivia problemas na coluna.
Ainda que iniciada com exemplos de mulheres do século XX, constata-se na geração mais contemporânea a fundamental importância de mulheres na condução e liderança da família ou mesmo no desempenho de papéis vitais ao lado de seus maridos, referendando a máxima popular “por trás de um grande homem sempre existe uma grande mulher”. Num outro contexto e com outros fatores explicativos, agora não apenas por morte ou migração mas também por separação do casal (o que parece ainda mais comum) é possível elencar inúmeras situações que a mulher como no mundo animal traz para si a responsabilidade de amparo dos seus filhos. O homem abandona a família, não dispondo muitas vezes de condições para financiar as despesas do lar (total ou parcialmente), restando às mães o desempenho de múltiplos papéis, desde o de conseguir dinheiro, até o de cozinhar, limpar, orientar nos estudos etc., o que não raramente imprime uma dificuldade extrema denotando a perspicácia, criatividade e bravura dessas cidadãs que com pouco dinheiro incrementa e garante uma qualidade de vida bastante razoável. No item alimentação, por exemplo, muitas vezes conseguem (muito mais pela inventividade) propiciar uma qualidade superior a de famílias de maior poder aquisitivo.
No preparo de alimentos e fabricação de produtos diversos essa outra geração toma como base as experiências daquela, revisitando-as, todavia, com a incorporação de itens e procedimentos condizentes com o período vivido. Exemplo disso se encontra na fabricação do doce de leite com ou sem ovo que naquela época, talvez pela ausência de doenças como diabete ou colesterol alto, as quantidades praticadas eram muito maiores. Receitas de ambrosia (leite com ovo) contidas no livro da Professora Amélia Barreto que aborda a alimentação no planalto de Conquista por volta dos anos 1930 indica para uma pequena quantidade de leite, doze gemas de ovos ou o doce de leite cremoso que para cada dez litros usava-se cinco quilos de açúcar, enquanto hoje na mesma quantidade apenas um quilo é adicionado.


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